sexta-feira, 22 de julho de 2016

2015 - Parte III - Pé na bunda do médico

As pessoas diziam sempre que eu parecia ótima. Hoje tenho plena noção de que as pessoas diriam isso mesmo se eu parecesse horrorosa. Naquela época eu acreditava, mas não entendia, porque não estava ótima. Eu tinha efeitos colaterais, mas eles não eram tão aparentes. De manhã eu tinha muitas cólicas intestinais, muita dor de barriga, piriri, desmaiava e tinha enjoo às vezes, muito em função da própria dor. Eu fiquei bem anêmica e me cansava bastante. O cabelo caiu mais de 50%, mas não cheguei a raspar. Eu tentei continuar fazendo musculação, aguentei uns meses, mas o cansaço era demais. Eu chegava da academia com enjoo de tanto que tinha me esforçado. Parece que rola uma síndrome de mulher maravilha. As pessoas dizem que você nem parece doente, que está muito bem, começam a dar sugestões, que você deve fazer isso.... deve fazer aquilo.... que exercício faz bem, sol faz bem, comer açúcar não faz bem... daí você, mortal, se sente culpada e quer fazer tudo perfeito para não decepcionar essas pessoas. Hoje eu olho para trás, para esse segundo semestre de 2015 e uma coisa que eu gostaria é de ter descansado mais, visto mais televisão, lido mais e dormido mais. Eu gostaria de ter mandado um grande foda-se pra essas pessoas e para a minha síndrome.

Logo que comecei a quimioterapia, eu pedi à minha chefe para continuar tentando ir ao trabalho e foi uma das melhores coisas que fiz. Por incrível que pareça, aquele era o único momento de sanidade mental que eu tinha durante o dia. Eram os únicos momentos da semana que me sentia uma pessoa normal. O restante da semana era dedicado a oncologista, outros médicos, exames, psicóloga, nutricionista, psiquiatra, academia (enquanto eu ainda não tinha mandado a musculação pro espaço), .... e claro... quimioterapia... que demandava três dias.... no primeiro eu ficava umas 7h na clínica com o remédio no cateter, daí saía com uma bombinha pendurada na cintura e ia na clínica tirar dois dias depois... era uma vida social intensa... e insuportável...

Com relação à transição de médico... foi bem tranquila... esperei dois meses, conforme combinado com minha mãe, e fui na médica nova. Ela me pediu que a avisasse quando eu terminasse a aplicação seguinte para que ela desse entrada no plano de saúde. Na clínica antiga eu avisei que não faria a aplicação seguinte e deixei pra avisar o médico por último. Aliás, nem precisei avisá-lo porque a recepcionista, logo que saí, fofocou pra ele e ele começou a me ligar insistentemente. Eu estava no táxi e não ouvi as ligações. Como eu não atendia às chamadas, ele tentou ligar pra minha mãe (estranho que, quando é do interesse dele ele insiste em ligar e atende telefonemas...). Liguei pra ele quando cheguei em casa e ele perguntou, “aconteceu alguma coisa?”, eu, “não, só resolvi mudar de médico, porque me senti bem confiante com ela”... “o problema não é você, sou eu...” ou alguma coisa do gênero... não lembro exatamente como foi, só lembro que eu não falei a total verdade, ou melhor, omiti motivos... Eu já havia avisado minha mãe que tinha falado com ele, mas ela, não satisfeita, resolveu ligar pra ele e se trancou na cozinha, ou na varanda, não lembro. Mas como a surda é ela e não eu, ainda, eu ouvi partes....

- “Pois é, eu não queria, mas ela estava muito decidida, não havia nada que a fizesse mudar de ideia...”

Não entendo por que tanta satisfação e consideração com um garotão mimado e arrogante com carrão do ano e com princípio de barriga aparentemente alcoólica. Sabe aquela barriguinha calosa que começa a despontar pra fora da calça, mas não ainda pra fora da camisa? Mas o pior é que o garotão é médico e faz piadinha... sem graça...

O cabelo continuava a cair, as cólicas continuavam e os enjoos não eram frequentes.
Outra coisa muito chata de conviver é com a restrição alimentar. Não comer nada cru na rua... o que não é muito bom...eu não gosto de comida japonesa, mas gosto de salada. O problema é que, por estar emagrecendo, eu não podia comer salada em momento algum, nem legumes, nem algumas frutas, porque tudo tem fibra e eu não devia comer fibras. Mas eu podia comer bolo caseiro.... eu nunca gostei de bolo... tentei começar a gostar, mas enjoei. Várias coisas que eu achava que gostava ou que podia gostar acabava enjoando.. batata doce, inhame, caldo de feijão, arroz... qualquer batata..... eu queria comer qualquer fruta e coisas verdes... e chocolate... brincadeira, o chocolate eu comia, mas em pouquíssima quantidade, porque é gordura e eu não digiro gorduras... elas descem direto... Uma coisa eu sei... que não quero mais ver inhame na minha frente... nunca mais....

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