segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

VÉSPERA DE NATAL DE 2016 E A MACONHA ESTÁ LIBERADA

Para fechar com chave de ouro o fatídico ano de 2016 o cirurgião resolveu fazer a cirurgia de retirada do cateter. Quando cheguei de viagem voltei no cirurgião dizendo que estava de saco cheio da trombose e ele decidiu tirar o cateter, já que este último era o grande culpado.

Véspera de Natal lá fui eu para o hospital, de novo. A diferença é que essa cirurgia foi bem pequena e me trataram bem no hospital, quase o tempo todo.

Após umas 3 horas de espera e umas 9 horas de jejum me levaram para o centro cirúrgico, a seco novamente, sem drogas sublinguais. Dessa vez seria somente uma sedação com anestesia local, mas mesmo assim não é das coisas mais agradáveis passear deitada numa maca pelo hospital olhando o teto totalmente sóbria.

Chegando lá aquelas perguntas, meu nome, o que eu vou operar,quem é meu médico etc. E mesmo assim lembro que quase me colocaram na sala errada.

- ué, não é sala 7, cirurgia no cérebro?
- não, não, é uma retirada de cateter, sala 1...
- ahh bem...

Essa é uma vantagem de estar sóbria, pelo menos não tem chance de te colocarem na cirurgia errada.

Chegando na sala certa eu vi meu cirurgião, que começou a reclamar com o anestesista que tinha um daqueles suportes de braço atrapalhando ele. Não sei se é aquela posição deitada, ou se é o fato de estar sóbria mesmo, mas aquela sala parece uma zona. Começam a mexer em vc, tiram aquela sua camisola. Você fica praticamente nua em cima daquela tábua, como se fosse um pedaço de carne de segunda que será literalmente fatiado. É uma sensação humilhante. O anestesista começou a me furar para achar uma veia enquanto o cirurgião tentava conversar comigo que tinha encontrado minha mãe no shopping. É claro que eu não conseguia responder a nada. É tipo no dentista, qualquer pergunta que ele faça é somente uma pergunta retórica, já que você não pode responder mesmo.

Depois de me furar, o anestesista colocou o respiradouro e disse que eu ia dormir em pouco tempo. Daí eu lembro que reclamei:

- mas eu não estou dormindo ainda...
- calma, vai dormir...
- eu não entendo por que não dão mais aqueles comprimidos sublinguais para a gente.
- é porque eles demoram a fazer efeito e depois você fica tão ruim que não consegue sair do hospital no mesmo dia... Só dão quando é cirurgia grande que vai para a UTI.
- ahhhhhh, mas eu não pude tomar nem na minha cirurgia grande...
- (anestesista pensando ..... "Foda-se")
- (o cirurgião para mim) - já está ficando mais tonta?
- Ahhhhh, agora eu tô ficando bem melhor.... Eu queria saber também se eu posso fumar maconha... Não agora, claro... Depois...
- pode sim, a maconha tá liberada...

Daí em diante não me lembro mais de nada...

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

E A TROMBOSE CONTINUA


Os médicos haviam me dito que o trombo diminuiria ou, na pior das hipóteses, ficaria do mesmo tamanho, já que eu tomo anticoagulante. Doce ilusão, o meu aumentou. Daí os médicos dizem, "mas eu nunca vi uma coisa dessas, é a primeira vez..." E vêm com uma explicação científica...

Minha cara de buldogue começou a piorar e eu reclamei com a médica. Ela me mandou fazer uma tomografia e tinha aumentado, um pouco. Me mandou pro cirurgião vascular. Foi ele quem disse que nunca tinha visto aumentar trombo tomando remédio. Mas encontrou uma explicação científica bem viável. Mesmo tendo aumentado, ele disse que era muito pequeno. Que eu podia aguentar sem morrer sufocada durante a noite, porque eu já tinha várias veias periféricas na barriga e nos braços fazendo o trabalho da veia entupida. Aliás, minha barriga está mais parecendo o mapa hidrográfico da Amazônia.... And it sucks... Isso tudo porque a última coisa que os oncologistas gostam de fazer é de tirar o cateter, porque é melhor para eles, não para você, que acorda assustada com o próprio ronco à noite e passa o dia com uma leve sensação de um dedo apertando sua traqueia.

Você, paciente, se sente um pouco enrolado, mas acha que estão fazendo o que é melhor para você e vai em frente.

Um pouco após esse episódio, minha médica achou que uma nova cirurgia no fígado me favoreceria e me mandou para o cirurgião. O cirurgião viu minha cara inchada e... "Que bom que engordou!!!!!" Eu disse que não sabia se tinha realmente engordado muito ou se era tudo por causa da trombose. Ele concordou em operar o fígado, mas primeiro não gostou de operar com trombose, depois disse que operava, depois disse que era um risco, depois disse que operava de novo e falou para que eu voltasse lá depois da viagem. Eu estava para viajar.

Viajei e a trombose começou a me incomodar mais à noite. Não tinha posição para dormir, colocava cada vez mais travesseiros embaixo do pescoço e acordava cheia de dor. Voltei no cirurgião e falei que não aguentava mais a trombose; que eu queria tirar o cateter antes de fazer a cirurgia do fígado. Ele disse que concordava comigo, pois não era muito legal operar com trombose e ligou para a minha médica. Ela concordou. Daí eu fico pensando, se eu não tivesse chegado ao limite da minha paciência, ele me operaria com o risco da trombose mesmo. Quem decidiu tirar o cateter fui eu, somente eu. E bora voltar para o hospital na véspera do Natal.... Delícia...

2015 PRÉ-CIRURGIA



Continuei menstruando, mesmo com a químio (muitas mulheres param) e estava perdendo muito sangue, o que me deu uma anemia severa. Minha médica ficou preocupada e me indicou um ginecologista oncologista do Inca, para ver o que eu tinha e para eu parar de menstruar. Eu não tinha nada além de uma endometriose e ele me deu aquela injeção a fim de parar a menstruação. Mas ele não entendia por que não tinham conseguido tirar o meu pâncreas. Uma pessoa jovem, etc. Daí me indicou o amigo dele, do Inca também, que cuida da parte gastro. Fui no cirurgião gastro e ele também não entendia por que não haviam tirado meu pâncreas e ficou muito animado com o meu caso. Aliás, ele é animadíssimo. Lembro que ele disse que eu ia ficar com uma cicatriz muito bonita, estilo Mercedes Benz. Parece mais o símbolo da paz, só que sem o círculo em volta, claro. Eu tive que parar a químio para ficar forte o bastante para a cirurgia e menos anêmica, e isso tudo, da primeira consulta com ele até o dia da cirurgia, deve ter dado um mês.

A minha primeira grande decepção no hospital foi que a anestesista queria que eu chegasse ao centro cirúrgico a seco, ou seja, sem drogas. Aquilo pra mim foi um choque. Como que eu ia passear pelo hospital na maca, entrar no centro cirúrgico a seco, sem tomar drogas? A anestesista disse que assim a recuperação seria mais rápida. Para mim, pouco importava a recuperação, eu queria era tomar drogas pesadas. Cheguei ao centro cirúrgico e me fizeram um monte de perguntas na entrada, tipo seu nome, o que você está fazendo ali... Não sei por que, deve ser para não te colocarem na sala errada e operarem seu ouvido em vez do pâncreas. Eu comecei a chorar desesperadamente. Daí um cirurgião que estava na sala ao lado veio me consolar, disse que ia dar tudo certo. E eu chorava cada vez mais. A anestesista foi me acalmar perguntando onde eu trabalhava. Respondi, Fiocruz, e soluçava, aos prantos. Daí ela me mandou contar até dez. Eu não me lembro nem do um.

Acordei na UTI não sei se é porque era fim de ano, quase Natal ou se é procedimento de rotina, mas te tratam que nem um pedaço de carne inconsciente. Eles te dão os remédios, dão banho, trocam sua fralda, como se você não estivesse realmente ali, ou como se estivesse desacordado. Tipo, "até que dar banho nessa garota nem é tão ruim... Vai dar banho num velho gordo e pesado.... " Num dia eu precisava que mudassem a minha fralda. A técnica de enfermagem demorou meia hora para aparecer. Quando chegou disse que não ia trocar porra nenhuma, porque uma fralda aguentava dois xixis e até três. E você, operada, não consegue se mexer, cheia de tubo, vai reclamar de alguma coisa?

Já no quarto, era um sufoco cada vez que precisavam trocar o acesso. Um suplício. Os caras só fazem isso na vida e não conseguem acertar a porra de

uma veia de primeira. E ainda botam a culpa na sua veia que é ruim. Eu tomava a injeção de anticoagulante para não ter trombose. Um dia veio uma técnica com umas unhas assustadores de quase um metro cada, pintadas de vermelho. Ela ficou puta porque não conseguia pegar barriga suficiente para dar a injeção, então ela espremeu um pouco de barriga com as unhas para conseguir enfiar a agulha.

Quando você vai para o quarto depois de uma cirurgia dessa magnitude, a coisa que você mais quer é se livrar de todos os tubos, principalmente do da alimentação. A coisa que você mais quer é se alimentar via oral novamente. Depois que você finalmente consegue, a primeira coisa que te perguntam é se já peidou. Na primeira manhã depois de ter começado a alimentação pela boca, e depois de já ter peidado, o médico pergunta se já cagou. Daí você está pensando que o médico ficará satisfeito se você disser que sim, mas não, ele volta todo dia e pergunta a mesma coisa, só que com a diferença que agora pergunta como estão as fezes. Como assim? Estão bem obrigada, mas você tem que dizer se elas boiam, se flutuam, se estão escuras, claras, duras, moles, com uma consistência boa... Definitivamente, o cu é o centro do universo, não tenho dúvidas. Quando você sai do hospital continuam perguntando pelas suas fezes. Você chega na nutricionista e ela não pergunta se você está bem, ela pergunta como estão as fezes. Não é a toa que os gatos quando estão felizes levantam o rabo e te mostram o cu. Os cachorros quando querem se conhecer mostram o cu um pro outro e cada um dá uma lambida no fiofó do outro. Se o gosto estiver ruim, acabou amizade. Se você fecha a porta do quarto e seu gato fica puto, quando você abrir a porta de manhã estará lá um cocô de presente. A vida gira em torno do cu e do que sai dele.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Algumas coisas que você deve saber se você conhece alguém com câncer

Tem uma coisa que me incomoda muito, e outras que me incomodam ainda mais. A que não me irrita mais é ter que engordar com comida ruim. Não te mandam engordar com chocolate, mousse e churros. Você tem que engordar com inhame, batata doce e arroz com feijão. É lógico que estou exagerando, porque podia engordar com pão, e eu gosto de pão. Mas eu não quero mais ver inhame e batata doce na minha frente. Além disso, a restrição das fibras é muito chata. Eu gosto de frutas e legumes e não podia comer os que tinham mais fibras. Com a quimioterapia que estou fazendo hoje não há mais restrições alimentares.

Mas a coisa que mais me incomoda são os compromissos. Você pensa que agora que está doente terá um tempo para descansar, ver netflix e dormir? Doce ilusão. O regime militar começa no hospital, tem hora para tudo. Hora para acordar, para tomar café, para tomar banho. Hora para limparem o banheiro e o quarto. Aliás, se você não toma banho acaba prejudicando a limpeza do quarto, porque uma é depois da outra. Deve quebrar o procedimento... 'paciente tomou banho' - em branco, daí fodeu com o protocolo. Depois do quarto limpo tem a hora com a fisioterapeuta, hora do lanche, de almoçar, tem hora da visita da médica, tem fisioterapeuta de novo, hora de lanchar, de jantar, de lanchar de novo... Isso sem contar com os horários de todos os remédios. Ou seja, você quase não dorme e muito menos vê netflix, porque, para completar, o hospital não tem Wi-Fi. Quando você sai do hospital e vai para a casa da sua mãe, a rotina continua, porque tem alguém te observando e que não te deixa relaxar por completo. Você consegue dormir um pouco mais, ver um pouco de netflix, mas não tanto. Daí vêm os compromissos fora de casa. Quimioterapia, injeção de sei lá o que na clínica, oncologista, nutricionista, psicóloga, analista, exame de sangue, tomografia, ressonância, cirurgião, médicos de outras especialidades. Fora isso tudo você tem que arrumar um tempo para fazer exercícios. Ah, e tem aqueles amigos que querem te ver, uns porque acham que será a última vez e outros porque acham que você sobreviveu. Daí você sai marcando café e suco, porque você não sabe dizer não, não bebe álcool há séculos e imagina que não possa beber. Por outro lado, se eu pudesse beber ia acabar virando alcoólatra, o que me levaria para mais um compromisso, o AA.

Outro problema são as pessoas. Eu entendo que elas não saibam o que dizer para uma pessoa doente, mas foda-se. Vejam se aprendem de uma vez por todas. Por isso eu deixo aqui algumas orientações. É muito chato você ser overanalisada o tempo todo. Deixem isso para os médicos, psicólogos, enfermeiros, técnicos, nutricionistas e o caralho a quatro que a gente tem que encontrar toda semana. Eles já fazem esse papel. Já basta eles dizendo, "engordou heim". A pessoa sabe que tá com uma trombose e que, por isso, ficou com uma cara de buldogue. Você não precisa repetir. A pessoa sabe que engordou também. Eu não preciso que todo mundo que eu encontre me lembre disso. Eu não saio por aí falando para as pessoas, "nossa, você embarangou heim", ou, "nossa, como você envelheceu", ou, "nossa, você sempre foi muito feia". Eu não faço isso. Quando não souberem o que dizer, fiquem calados. Mesmo que não consigam, tentem. Eu já ouço isso pelo menos uma vez na semana. Eu tenho quimioterapia toda semana, tenho tido pelo menos um médico por semana, pelo menos um exame de imagem por semana, fora os exames de sangue. Então, tentem falar de outras coisas, ou falem até sobre câncer, mas não me analisem. Eu já sou analisada o suficiente.

Outra coisa que me incomoda é minha trombose. Eu comecei a inchar novamente, no pescoço, braços e rosto. A cara de buldogue voltou com força total. Daí a médica pediu uma angiotomografia e deu que o trombo tinha aumentado um pouco. O suficiente para me deixar inchada, mas não o suficiente para resolverem a situação com um procedimento cirúrgico. Pois bem, vou aguardar mais um pouco essa situação. Puta da vida, mas vou aguardar. Terei que aguentar mais um tempo esses comentários inúteis do tipo, " você engordou, mas tá ótima" e as faltas de ar e roncos durante a noite.

Eu imagino até que não esteja num estágio avançado da doença, porque se estivesse, as conversas seriam assim:
Ser humano sem noção - não vai deixar seu cabelo crescer não, é?
Eu em estágio avançado - hellooo, você se lembra que perdi meu cabelo inteiro? Ele não cresce que nem capim.


Ou ainda:
Ser humano sem noção - cortou seu cabelo curtinho né? Cansou de cabelão... Eu também.
Eu em estágio avançado - não, eu não cansei, foi meu cabelo que cansou de mim e caiu todo...


Ou,
Ser humano sem noção - engordou heim...
Eu em estágio avançado - pior você que É gorda e feia e dai não tem jeito...


Resumindo:
- vocês podem até falar sobre câncer, mas não nos analisem o tempo todo.
- não digam que engordamos, nem que emagrecemos. Não digam nada.
- não falem do nosso cabelo.
- não digam que a gente nem parece que tem câncer e que estamos muito bem e quase não temos efeitos colaterais ao tratamento, porque a gente tem bastante efeito colateral, mas não ficamos falando deles o tempo todo.
- não digam, cabelo cresce e tem peruca para isso... A gente sabe disso, mas vocês não têm noção de como é olhar uma pessoa sem cabelo no espelho.
- eu passei muito tempo sem reclamar de nada, até aparecer essa merda de trombose... Deixem a gente reclamar sem dar opiniões. Aliás, não opinem nem sugiram nada, a menos que a gente peça.

domingo, 23 de outubro de 2016

Assim Caminha (e se prolifera) a Humanidade

Sabem uma coisa boa da doença? É você poder dizer o que quiser e ninguém te contrariar, afinal, você está com uma doença grave. Obs.: mesmo assim já me contrariaram muito, para vocês verem como tem gente ruim neste mundo, hahaha.

Deve ser que nem quando você fica idoso e pode cometer infrações no trânsito. Tem o atenuante de a pessoa ser idosa e não estar no completo domínio das suas faculdades mentais. Ou ainda, que nem aquela velhinha que atravessa a rua calmamente e dá guarda-chuvada com toda força no farol do carro que para em cima da faixa e atrapalha a sua passagem. 

Mas, voltando ao assunto, além de ninguém te contrariar, parece que há um perdão generalizado por você não ter seguido os ritos normais estabelecidos pela nossa sociedade. Eu não casei nem tive filhos, o que dava margem a várias conjecturas a respeito da minha vida, se eu era louca, se era lésbica, se era louca e lésbica, que tipo de sapatona eu era, se era do tipo machona ou do tipo mulherzinha, se era só extremamente carente e solteirona, se tinha algum outro problema grave, se era hermafrodita... A nossa sociedade não aceita que você simplesmente não queira dividir seu espaço com mais ninguém, ou que você não queira cuidar de um homem, nem de uma mulher e muito menos de uma criança. Eu sofri a vida inteira por isso. Eu preferia poder dizer que era divorciada, mas nem isso eu podia. De repente tudo isso desapareceu, não me sentia mais estranha. Eu entrei num emprego novo e todos eram "estranhos", que nem eu. Lá ninguém nunca me perguntou por que eu não casara tivera filhos, apesar de haver milhares de casados e com filhos. Mas isso não importava a ninguém. É claro que a preocupação sobre quem você já comeu no trabalho continua, só não interessa mais o fato de ser casado ou não.

E agora com mais a doença o que parece é que estou perdoada por não ter casado e não ter tido filhos. Porque agora eu não sou mais a lésbica, ou a carente de homens, como se um homem em casa fosse a oitava maravilha do mundo, mas agora eu tenho um câncer. O que é mais importante do que tudo. Ou seja, você nunca é só você, você é o que você adquiriu nessa vida, seja sua aquisição um carro, um marido, um filho ou um câncer.

Hoje eu tenho pena das pessoas que possuem cérebros que funcionam somente em termos de aquisições, porque elas vivem em função de coisas, de maridos, de esposas, de imagens, de fotos e likes no Instagram, de fotos de comida, de fotos de viagens, que não aproveitaram, porque estavam tirando fotos, de fotos com namorados, que dão pé na bunda no dia seguinte.

Pois é, eu achava até que essas coisas não existissem, tamanho desespero na aquisição de crianças, mas fui saber que uma amiga minha está realmente desesperada para ter um filho. E isso a leva a situações mais loucas, que eu achava que existissem somente no cinema, tipo:


O cara: oi, você vem sempre aqui?
Ela: depende, qual é o seu grau de interesse na proliferarão da raça humana?

A pessoa está saindo com um cara há um mês e fica falando que quer uma criança. Se um cara falasse isso para mim eu sairia correndo. Aliás, não precisa de muito para eu sair correndo.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Um Tema Polêmico...


“Um tema polêmico” ou.... “Um recado para meus amigos coxinhas”, ou “O coxinha não é solidário nem no câncer e nem em qualquer doença” hahahah

Eu tenho câncer e hoje possuo dinheiro para pagar um plano de saúde razoável, além dos gastos que não são cobertos pelo plano e que são grandes (emtorno de um carro de luxo médio por ano), e suficientes para eu cair na malha fina todo ano. Amanhã já não sei se terei dinheiro para isso. Depende de várias decisões que estão sendo tomadas pelo governo hoje.

Ou seja, se eu conseguir chegar à velhice, talvez seja uma velhice escrota e cheia de perrengues. Nem sei se tenho vontade de chegar até lá.

O câncer, pelo que eu entendo, não é uma doença que simplesmente termina um dia, você a carrega para sempre, e os gastos com ela também.

Eu conheço várias pessoas que se trataram pelo SUS e estão ótimas, ou morreram de outras causas que não o câncer. Daqui para frente, com a saúde sendo sucateada, essas pessoas irão depender de planos de saúde ruins e baratos, ou vão morrer mesmo.

Eu recebi um monte de mensagens de carinho nesses dois anos de doença. Que tudo vai dar certo, que eu sou muito forte e o caralho a quatro, que se preocupam comigo. Recebi esse tipo de mensagem, inclusive, de pessoas que apoiam a PEC 241, o que, particularmente, acho uma hipocrisia. Até mesmo uma ofensa. Seria melhor que vocês ficassem calados e não dissessem nada. Por que daria tudo certo para mim, que tenho dinheiro por enquanto, e pode não dar nada certo para quem não tem? E quando eu não tiver mais dinheiro, vocês vão continuar a me mandar mensagens de que tudo vai dar certo?

Por que vocês não param para pensar que é incoerente, e até mesmo brega, o governo esbanjar com jantares e propaganda e cortar na saúde e educação? Se fosse uma família, já que vocês gostam tanto dessa comparação, vocês cortariam nos jantares, vinhos caros, roupas e viagens, ou na saúde e educação dos filhos?

Por favor, não me respondam com argumentos esdrúxulos, nem me perguntem se eu li a PEC, Porque eu li sim. Nem me digam que vai dar tudo certo, a menos que você vá pagar o meu tratamento. Obrigada.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Mais Rapidinhas


COISAS DA PROFISSÃO

_ O que leva um ser humano a ser médico legista?
_ Ahh, deve ser que nem ser proctologista...
_ Como assim? Lógico que não. Lidar com cu eh a mesma coisa que lidar com morto?
_ bom, eu acho até que lidar com morto deve ser melhor que lidar com cu.
_ que isso... Morto é matéria em decomposição...
_ Sei... e cu é uma parada bonitinha... porra... Já botaram formol no morto. Ele nem deve estar mais tão fedido.
_ Não sei não... não sei se botam formol. Eu sempre vejo nos seriados o pessoal fazendo autopsia nos corpos com máscara... eu acho que deve feder sim...
_ E tem mais... é melhor ser médico legista do que lidar com paciente terminal. Pelo menos o legista não tem mais chance de matar ninguém.



COISAS DE ARGENTINO, OU PODIAM SER DE PORTUGUÊS:

(Essa aconteceu comigo)
_ Posso pagar em reais?
_ Pode sim... vai querer o troco em pesos ou reais?
_ Em reais.
_ Vai ter que ser em pesos, porque reais nós não temos...


No aeroporto em Buenos Aires:

- Essas malas são suas?
-  Não, são do meu irmão. Ele me emprestou pra eu viajar.

Pausa para Rapidinhas


COISAS DE RELACIONAMENTO

- eu nunca quis casar...
- eu também não... Mas por que?
- eu nunca quis compartilhar peidos e arrotos com ninguém...
- hum, interessante esse ponto de vista... Eu nunca quis porque não queria dividir meu banheiro.... Nem minha cama... mas no fundo no fundo, deve ser esse o motivo subliminar...
- pensa bem... É o cúmulo da intimidade... Compartilhar lençol... Cheirar o pum do outro... Beijar logo que acorda com bafo de cabo de guarda chuva... É demais pra mim...
- você já perguntou pra alguma amiga casada como ela fazia?
- já, duas conservadoras me disseram que acordavam meia hora mais cedo em silêncio pra se arrumar, pentear cabelo, escovar os dentes e se maquiar.
- e o marido?
- Ahhh, nesse tipo de casamento tradicional o marido fica com bafo, arrota e peida na companhia da esposa.... Só o lado feminino é que se preserva...
- ahh sim... E depois a esposa morre por entupimento dos dutos....
- bom, ossos do ofício... Por outro lado, duas amigas em relacionamentos mais abertos compartilham seus peidos, arrotos e tudo mais com o marido.... Não só com o marido, mas também com filhos, vizinhos, babás...
- será este o segredo de um relacionamento saudável?


TUDO QUE VOCÊ SEMPRE QUIS SABER SOBRE BANHEIRO FEMININO E NÃO TINHA CORAGEM DE PERGUNTAR...

_ sabe que o Ricardinho sumiu, né? Desde aquele dia...
_ já tentou o celular dele?
_ celular É pros fracos... Eu pedi pro Geraldão, aquele meu amigo que É delegado, procurar no IML... Eu dei as descrições... Moreno, 1 metro e 80, narigudo, tinha uma mancha de nascença ali....
_ (interrompe) Não, você não fez isso!
_ uÉ, fiz! por quê?.....
- falar da mancha dele naquele lugar...
- Ué, como assim? Nunca te falei da mancha dele...


_ você É exigente demais! Pra mim, se o cara for hetero e tiver a dentição completa ta bom...
_ sei! quer dizer que pra você É suficiente que o cara tenha todos os sisos?
_ quem hoje em dia, na face da Terra, tem todos os sisos?
_ Eu tenho! Há algum problema com isso?
_ É uma questão de evolução... Os sisos não servem pra nada. A tendência É que os seres mais evoluídos já nasçam sem sisos...
_ ah, É? E quem te disse isso, evoluída, o Google?

COISAS DE MANIFESTAÇÃO
Manifestante : você vem sempre aqui?
Manifestante 2: não, só quando rola manifestação...
- você também é a favor da liberalização da maconha?
- liberalização da maconha? Eu to aqui pela liberação do casamento gay...
- entendi... Achei que até essa faixa aqui fosse a marcha da maconha...
- não, daquele careca em diante é marcha do casamento gay...
- você é lésbica?
- não, simpatizante. Você é maconheiro?
- não, estou aqui pela ala medicinal. Motivado pelo extrato com a substância CBD e nao o
THC
- sei... Parece sigla de partido político... É de direita ou de esquerda?
- não somos um partido político...
- hum... De centro...
- não, nem centro, nem direita, nem esquerda,
- claro... Fumou muita maconha e ficou sem direção... Eu entendo...
- ????? [cara de interrogação]



quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Mais Diálogos



_ andei vendo preço de casa de repouso...
_ casa de repouso (com espanto)?!?! Pra quem?! Seu pai piorou?
_ não, pra mim...
_ mas que porra É essa agora?
_ só to pensando na minha velhice... Se eu sobreviver ao câncer, claro.
_ E quanto que custa essa casa de repouso?
- uns 8 mil, mas ta tudo incluído, enfermeira 24h, médico de plantão, nutricionista, atividades...
- isso que mata, É uma prisão... Atividades... Eu não quero atividades... Ter que acordar pra fazer exercícios... A vantagem da velhice É justamente essa... Não ter que acordar pra nada.... Muito menos pra fazer exercícios... Imagina.... fazer dieta depois dos 80.... Quero mais É encher a cara de cerveja todos os dias...
_ É! mas dai você vai precisar dos alcoólatras anônimos...
-tem razão, no final tudo É prisão mesmo...
- justamente... Até o clube med, por exemplo, É uma prisão...
- Mas o club Méd deve ser melhor que uma casa de repouso.
- quem sabe, quem sabe..
- e 8 mil reais? O q É isso? É preço de Um hotel cinco estrelas? Por esse preço eu prefiro me mudar pra Paris...
- mas É na Gávea, lá em cima...
- o quê? Muito Isolado... Eu vou estar surda mesmo.... Quero mais É ficar no meio do tumulto... Em Copa...
- Eu ainda estou escutando muito bem.
- E tem mais uma coisa: eu não confio nos funcionários... Se a gente estiver meio senil... Quem garante que alguém não vai querer dar sumiço na gente e pegar nosso dinheiro?
_ sei... Como se você tivesse muita grana...

domingo, 25 de setembro de 2016

DIÁLOGOS


E quando eu cheguei ao Centro Espírita, que frequentei por mais de um ano:

- O que a traz aqui?
- Eu estou com câncer de pâncreas com metásta....
- Entendo [interrompendo]... A primeira fase é a da revolta... Ficar com raiva de tudo... Por que eu?
- Mas eu não estou com raiva não... Já aceit....
- [interrompendo novamente] Há duas coisas que são as piores da vida...
- [Pensando cá com meus botões qual seria a outra coisa tão ruim quanto uma doença grave e mortal.....]
- Uma é uma doença como o câncer...
- aham...
- Não que eu seja preconceituosa [sei], mas a outra é ter um filho gay...
- [nossa, imagina se fosse preconceito... boiolice mortífera]
- Eu sei que não mata.... mas não sei o que faria com um filho gay. Não sei se conseguiria aceitar...

Voltando à academia:
Eu: estou retornando de uma cirurgia muito grande no abdômen. O cirurgião tirou um pedaço do pâncreas e pedaços do fígado. Ele mandou não fazer abdominais, porque pode dar uma hérnia.
Após a aula:
Prof.: como foi a aula? Ficou bem?
Eu: foi tudo tranquilo sim.
Prof: sentiu alguma coisa nas costas?
Eu: [costas? Mas era abdômen.... Ah, a hérnia. Ele só lembrou da hérnia. Muito trabalho explicar] as costas estão ótimas sim.



sábado, 27 de agosto de 2016

Pato Rouco ou... O Lado Cheio do Copo


Às vezes é melhor ser otimista do que tentar aproximar a realidade do pessimismo. No tal ditado do copo metade cheio e metade vazio, convém sempre tentar ver o seu copo cheio.

Lembro de um amigo que foi diagnosticado com câncer de garganta há uns 20 anos. O médico lhe deu seis meses de vida. Hoje em dia os médicos não fazem mais isso... é muita responsabilidade. Mas o pato rouco acreditou, separou-se da mulher, pediu demissão do trabalho e fez uma programação de gastos para os seis meses seguintes. Ah, ele também resolveu começar a malhar, não sei por quê. Deu seis meses, o dinheiro acabou e nada de morrer... deu sete meses... nada... oito meses.... exame e nada do tumor.

Foi aí que meu pai se sensibilizou e resolveu ajudar o pobre pato rouco, que, pelo jeito, não ia partir dessa para uma melhor tão cedo. Emprestou dinheiro para ele e conseguiu recuperar o seu emprego. Só não conseguiu recuperar a ex-mulher, porque aí já era demais.

Até hoje o pato rouco é muito grato a meu pai. Tanto que, quando meu pai foi internado no hospital por causa do câncer de próstata, quem ficou lá não foi nenhum dos três filhos não. Foi o pato rouco.

Outro conhecido, na época com 18 anos, foi diagnosticado com leucemia. O médico, além de dar uns poucos meses de vida, o alertou de que ele não poderia ter filhos por causa da doença, ou pelo tratamento. O que ele fez? Gastou todo o dinheiro que podia e não podia, saiu transando com todas sem camisinha e ainda jogava aquele caô de que estava à beira da morte com um câncer intratável. Resultado: três filhos e três pensões para pagar.

Um pouco de ficção.... Fantasias de Hospital

E ele entrou no quarto, veio cheio de sorrisos, pegou em sua mão e pediu para apalpar seu abdômen e deixou a mão ali por alguns eternos segundos... Olhava-a com aquele jeito meio de lado, aquele olhar 43, típico do mais intenso dos românticos, e:


- Vi seus exames junto com minha equipe ... de certa forma, era o que esperávamos... operar...
E ele continuou...
- Você vai operar um tumor na cabeça do pâncreas...Ela o via, completamente apaixonado, como se estivesse recebendo uma bela declaração de amor...

Todas as vezes que o encontrei ele me olhava com aquele olhar doce, a cabeça levemente de lado e aquela voz macia.... Nem gosto de imaginar o que mais seria macio naquele ser do Olimpo. Lógico que ele me via de cima para baixo, e só de cima para baixo, já que eu estava deitada naquela cama de hospital, de camisolinha altamente "sexy" e, ainda por cima, com os olhos que mais pareciam a bandeira do Brasil, por conta da ictericia...Me lembro com detalhes de todas os nossos poucos e significativos momentos... Quer dizer, quase todos, graças a Deus, porque ele éassistente do cirurgião e no nosso segundo encontro ele me fez um corte que foi da boca do estômago até o baixo abdômen e conheceu o meu mais profundo eu interior, minhas entranhas.... Eu não gostaria nem um pouco de ter sido acordada em meio desse radical procedimento... Pois bem...

No primeiro dia, ele chegou e eu... estava dormindo.... depois de meses sem dormir, por uma forte coceira por causa da ictericia... Fui internada às pressas, me deram tudo que eu podia, desmaiei naquela cama e acordei achando que havia morrido e me encontrava no paraíso. Me encontrou tão desarmada, que arruinou meu coração, perguntei seu nome cinco vezes e não consegui, sequer, gravar o primeiro....

No segundo dia, eu achei que fosse encontrá-lo antes da minha operação.... tola eu sempre fui.... sabe de nada, inocente... Me encontrou mais uma vez em estado catatônico, mas desta vez fui eu que não acordei e ele conheceu o mais profundo do meu eu...

No terceiro dia, ele chegou e eu não esperava nada. Desta vez estava só e, para variar, estava dormindo... Me pediu que levantasse a camisola, permissão para apalpar minha barriga, me perguntou se eu já havia evacuado e se estava soltando gases..... Me encontrou tão sonolenta, que antes que eu dissesse sim, suas mãos já me apalpavam, e seu nome... eu não tinha a menor ideia...

domingo, 14 de agosto de 2016

I Feel Ugly



I feel ugly

- quimioterapia engorda? Já não bastasse ficar careca... imagina careca e gorda?
- a quimioterapia não engorda, não...
- [sentimento de felicidade]
- mas a cortisona que você tem que tomar incha....
- ahhhhh [alegria de pobre dura pouco]

Eu tive sorte, não inchei por causa da cortisona, eu inchei porque fiz uma trombose mesmo.... É... É muito comum criar um trombo em volta do cateter... E eu criei... Meu rosto ficou redondo, ou meio quadrado... As bochechas caídas escondiam o queixo. O pescoço ficou meio cheio e uma veia ficou saltada. As veias dos braços ficaram todas saltadas. Eu não me olhava no espelho... Me sentia um buldogue. Eu adoro buldogue, mas ser humano com cara de buldogue não é bonito. Eu já estou tomando anticoagulante há uns meses, mas isso tudo não desincha por completo e, em alguns dias, lá está o espírito do buldogue de novo te assombrando no espelho.

Podem dizer, 'tem muita gente mais feia aí no mundo que não está reclamando como você'. Ok, mas, pelo menos para uma mulher, é uma merda se sentir feia. E quero falar isso para outras pessoas que passam por algo parecido. Que é normal se sentir feia, ter raiva disso e ainda sentir inveja de cabelo em comercial de xampu. Você começa a reparar nos cabelos e bochechas de todo mundo. É quase uma neurose. A pessoa falando com você sobre amenidades e você só analisando cada centímetro de bochecha e cabelo.

- prestou atenção em alguma coisa que eu falei?
- não, bochecha, ops... L’Oreal... ops....

Muita gente vai te dizer também que cabelo cresce e quando terminar o tratamento você desincha. Primeiro, eu não tenho previsão para término do tratamento; segundo, o espelho é meu e ele não está feliz; terceiro, eu já expliquei acima...

Além do efeito buldogue, não sei o motivo, mas o tratamento tem um efeito “embarangador” automático. Parece que você envelhece dez anos em poucos meses. Aí, muita gente vai dizer, 'mas você está muito bem para uma coroa com câncer'. Pois é, você vai querer matar essas pessoas também. Aliás, no caso de um crime desses, a pessoa deveria ser absolvida por legítima defesa.

Eu sobrevivi (aliás, ainda sobrevivo, porque não estou livre de nada disso) à neuropatia periférica, aos enjoos, ao gosto de metal misturado com merda na boca (como se você estivesse nadando num mar de bosta misturada com metais pesados - esse efeito é de um dos remédios que parece que também faz parte do protocolo para câncer de mama), às cólicas, à queda de cabelo, às diarreias, à restrição alimentar, ao déficit cognitivo, à falta de libido, aos desmaios, à insônia, à vontade de dormir demais, ao cansaço, ....ao déficit cognitivo... ah, não me lembro mais ao quê... a duas cirurgias... mas se sentir feia, não querer ver um espelho nunca mais e não querer sair de casa por causa disso é uma foda... e pior ainda é você não estar tão ruim de saúde ao ponto de não poder sair de casa e não ter desculpas para não sair... “Estou me sentindo horrorosa e não quero ver ninguém.” Isso não parece uma boa desculpa.

Esta última aqui não é criação minha não, eu li em algum lugar que não me lembro e achei muito engraçada:

- Quimioterapia mata a celulite? Mas bem que podia, né? Se mata células malignas, tinha que matar celulite... Alguma coisa de bom podia ter nisso tudo...

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

As pérolas que lemos ou ouvimos quando temos câncer:

Os médicos também não avisam que você vai perder o tesão quase que totalmente. Mas como eu achava que um dia minha libido iria voltar, não me desfiz de todos os relacionamentos completamente. Pior que isso, eu continuei no Tinder, não sei exatamente por quê..

Não sou puritana, ao contrário, mas acho que uma foto de um pau, por mais bonito que seja, não desperta muito tesão. E a coisa que os caras no Tinder, principalmente europeus, canadenses e australianos, mais gostam é de mostrar o pinto. Duro, flácido, photoshopado, feio, bonito, não importa. O que importa é enviar nudes do próprio pinto. Não sei o que passa na cabeça deles... será que eles pensam que é que nem mandar a foto do carro novo? ... uma das pérolas que eu vi foi de um alemão, que não cheguei a conhecer, mas que me mandou mil fotos do pau. Eu devo ter comentado que fazia quimioterapia e que tinha algumas restrições (nós não podemos pegar infecções ... vocês podem imaginar o que quiserem sobre as restrições com relação ao sexo). Daí o sujeito me pergunta: “o que você fez de mal pra receber isso? Você deve ser uma pessoa muito ruim...” . Eu respondi que eu era muito ruim mesmo, principalmente com os homens. Primeiro achei que ele pudesse estar brincando, mas depois das ofensas seguintes eu percebi que não. Daí eu escrevi (foi mais forte que eu), “e você que tem um pinto estranho e com fimose?”. Realmente o pau dele era estranho, desproporcional e achatado... como se tivesse sido photoshopado. Tomara que tenha sido. O cara ficou pra morrer com a minha resposta e disse: “pior você, que vai morrer daqui a cinco meses”. Como se para um homem fosse pior morrer do que ter um pau feio.

No Tinder eu descobri também que o pênis não é o único e maior dos problemas para um homem. A pessoa sem noção aqui e com excesso de quimioterapia escreveu para um Australiano que ele parecia estar “balding” – ficando careca (tinha um contexto, pois ele dizia que era muito mais novo do que parecia). Daí ele respondeu à altura, “pior você que é velha, nunca casou e nunca teve filhos”. Eu fiquei na minha, porque realmente balding não é uma coisa boa. Hoje, com pouquíssimo cabelo, eu sei muito bem disso.

Outra coisa que tive que ouvir foi de uma amiga. Eu estava com uma viagem marcada, mas quando soube do diagnóstico, resolvi cancelar e começar o tratamento. Daí ela me disse, “você tem que cair na real, você tem câncer de pâncreas com metástase. Você não vai viver muito tempo. Eu se fosse você viajava e aproveitava enquanto ainda está bem”. Cri, cri, cri...


Coisas que os médicos não contam...

Coisas que os médicos não contam:

Quando você vai começar o tratamento, os médicos dizem que seu cabelo vai cair, que você terá enjoos, aftas, infecções, mas ninguém fala sobre odores....

Coisas que os médicos não contam:

Quando você vai começar o tratamento, os médicos dizem que seu cabelo vai cair, que você terá enjoos, aftas, infecções, mas ninguém fala sobre odores....

Ninguém comenta que as coisas que saem de você, tipo urina, fezes, bafo e puns, ficarão com cheiros insuportáveis, a ponto de nem você mesmo aguentar... e é culpa da quimioterapia.

Acho muito difícil um casamento resistir ao câncer. Não por causa dos problemas emocionais e psicológicos, mas por causa dos odores...

Outra coisa que não comentam é que a quimioterapia afeta sua capacidade cognitiva, ou num português mais coloquial, te deixa lesado, sem memória e sem concentração. Eu fui descobrindo aos poucos... uma chave esquecida aqui, uma carteira esquecida acolá... até chegar em um carro esquecido aqui e um nome de parente próximo esquecido acolá... ler livros, que era uma coisa que eu gostava, ficou meio difícil por causa da concentração. Eu já não estava mais curtindo qualquer estilo de livro, só lia policiais. Agora eu empaquei num livro policial chato pacar@#& e não consigo sair das primeiras páginas. 

terça-feira, 26 de julho de 2016

Sequelas.....

Eu tive que aprender o que era neuropatia periférica induzida pela quimioterapia... Começou com uma dormência nas pernas, do joelho para baixo, e nas mãos. Não é nada não é nada, mas só quem tem sabe..... É bem inconveniente. Primeiro pra dirigir, você não sente os pés e não sabe se está pisando forte o suficiente na embreagem. Daí a marcha não entra, ou arranha, e você acha que o carro está  com problema. Mas não é o carro, é você mesmo o problema. Algumas tarefas simples tornam-se quase cômicas. Como colocar os chinelos. Você pode enfiar os chinelos no dedo errado e nem perceber. Ainda bem que a quimioterapia não afeta a visão. Ahhhhh, doce ilusão, afeta sim. A minha miopia aumentou um grau em dois meses. Mas voltando à neuropatia. Parece que você está de meias e que elas estão cheias de areia... Essa eh basicamente a sensação nas pernas.
Já escorreguei algumas vezes, porque não senti que o chão estava molhado...

Nas mãos acontece o seguinte.... Procurar algo dentro da bolsa com o tato... Nem pensar.... Você não consegue identificar o que é chave, o que é carteira, o que é escova, necessaire, uma barata etc. Colocar brincos sem olhar no espelho, impossível. Colocar um cordão sem olhar no espelho, impossível ..... E por aí vai... Você perdeu o tato. Vai comprar roupa sem tato e tentar sentir de qual tecido é feita.... Algodão, seda e poliéster... Tudo a mesma coisa... Ahh, já ia me esquecendo... Escrever nem pensar... Mas hoje em dia ninguém mais escreve... É, mas assina o nome e eu parecia uma retardada assinando meu nome. Saía um borrão incompreensível. Hoje eu tomo um remédio para aliviar este sintoma. Ficou um pouco melhor pra escrever e dirigir, mas a neuropatia continua lá.

E os relacionamentos como é que ficam? Já viram que a falta de tato prejudica um pouco. Isso sem contar com a falta de libido em função da quantidade de quimioterapia e de remédios. Além dos antidepressivos rolam os ansiolíticos também, lógico, ou vocês querem que a mulher maravilha malhadora aguente isso tudo com pensamento positivo e meditação? Tem que rolar ansiolíticos e remédios bons pra dormir também, porque a cortisona que você toma pra controlar o enjoo te deixa ligada no 220 e você não dorme nem pelo caralho, principalmente no dia da quimioterapia. Com essa quantidade toda de medicação não há libido que resista. A vontade de se relacionar com alguém chega quase ao nível zero. Às vezes você tenta se relacionar só porque acha que um dia ainda vai precisar, principalmente de sexo. Lembrei da história que vi no Seinfeld sobre sexo pra homens e sexo pra mulheres... O George ficava sem sexo e ficava mais inteligente, porque toda a energia dele se voltava pra cabeça de cima, porque a de baixo não estava trabalhando. Já a Elaine ficava sem sexo e ficava mais burra. Daí a explicação era a seguinte, a mulher lida com sexo tipo, take it for granted, que não tem tradução para o português. Mas é como se todo dia você deixasse seu lixo na porta de casa pro lixeiro levar. Você não fica exatamente feliz por ter seu lixo levado, porque sabe que ele passará todo dia pra levar. Até o dia que ele não passa e entope a sua lixeira. Ou seja, quando você não tem sexo você vai sentir que está faltando algo na sua vida, igual á falta do lixeiro, quando acumula aquela pilha de lixo.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

2015 - Parte III - Pé na bunda do médico

As pessoas diziam sempre que eu parecia ótima. Hoje tenho plena noção de que as pessoas diriam isso mesmo se eu parecesse horrorosa. Naquela época eu acreditava, mas não entendia, porque não estava ótima. Eu tinha efeitos colaterais, mas eles não eram tão aparentes. De manhã eu tinha muitas cólicas intestinais, muita dor de barriga, piriri, desmaiava e tinha enjoo às vezes, muito em função da própria dor. Eu fiquei bem anêmica e me cansava bastante. O cabelo caiu mais de 50%, mas não cheguei a raspar. Eu tentei continuar fazendo musculação, aguentei uns meses, mas o cansaço era demais. Eu chegava da academia com enjoo de tanto que tinha me esforçado. Parece que rola uma síndrome de mulher maravilha. As pessoas dizem que você nem parece doente, que está muito bem, começam a dar sugestões, que você deve fazer isso.... deve fazer aquilo.... que exercício faz bem, sol faz bem, comer açúcar não faz bem... daí você, mortal, se sente culpada e quer fazer tudo perfeito para não decepcionar essas pessoas. Hoje eu olho para trás, para esse segundo semestre de 2015 e uma coisa que eu gostaria é de ter descansado mais, visto mais televisão, lido mais e dormido mais. Eu gostaria de ter mandado um grande foda-se pra essas pessoas e para a minha síndrome.

Logo que comecei a quimioterapia, eu pedi à minha chefe para continuar tentando ir ao trabalho e foi uma das melhores coisas que fiz. Por incrível que pareça, aquele era o único momento de sanidade mental que eu tinha durante o dia. Eram os únicos momentos da semana que me sentia uma pessoa normal. O restante da semana era dedicado a oncologista, outros médicos, exames, psicóloga, nutricionista, psiquiatra, academia (enquanto eu ainda não tinha mandado a musculação pro espaço), .... e claro... quimioterapia... que demandava três dias.... no primeiro eu ficava umas 7h na clínica com o remédio no cateter, daí saía com uma bombinha pendurada na cintura e ia na clínica tirar dois dias depois... era uma vida social intensa... e insuportável...

Com relação à transição de médico... foi bem tranquila... esperei dois meses, conforme combinado com minha mãe, e fui na médica nova. Ela me pediu que a avisasse quando eu terminasse a aplicação seguinte para que ela desse entrada no plano de saúde. Na clínica antiga eu avisei que não faria a aplicação seguinte e deixei pra avisar o médico por último. Aliás, nem precisei avisá-lo porque a recepcionista, logo que saí, fofocou pra ele e ele começou a me ligar insistentemente. Eu estava no táxi e não ouvi as ligações. Como eu não atendia às chamadas, ele tentou ligar pra minha mãe (estranho que, quando é do interesse dele ele insiste em ligar e atende telefonemas...). Liguei pra ele quando cheguei em casa e ele perguntou, “aconteceu alguma coisa?”, eu, “não, só resolvi mudar de médico, porque me senti bem confiante com ela”... “o problema não é você, sou eu...” ou alguma coisa do gênero... não lembro exatamente como foi, só lembro que eu não falei a total verdade, ou melhor, omiti motivos... Eu já havia avisado minha mãe que tinha falado com ele, mas ela, não satisfeita, resolveu ligar pra ele e se trancou na cozinha, ou na varanda, não lembro. Mas como a surda é ela e não eu, ainda, eu ouvi partes....

- “Pois é, eu não queria, mas ela estava muito decidida, não havia nada que a fizesse mudar de ideia...”

Não entendo por que tanta satisfação e consideração com um garotão mimado e arrogante com carrão do ano e com princípio de barriga aparentemente alcoólica. Sabe aquela barriguinha calosa que começa a despontar pra fora da calça, mas não ainda pra fora da camisa? Mas o pior é que o garotão é médico e faz piadinha... sem graça...

O cabelo continuava a cair, as cólicas continuavam e os enjoos não eram frequentes.
Outra coisa muito chata de conviver é com a restrição alimentar. Não comer nada cru na rua... o que não é muito bom...eu não gosto de comida japonesa, mas gosto de salada. O problema é que, por estar emagrecendo, eu não podia comer salada em momento algum, nem legumes, nem algumas frutas, porque tudo tem fibra e eu não devia comer fibras. Mas eu podia comer bolo caseiro.... eu nunca gostei de bolo... tentei começar a gostar, mas enjoei. Várias coisas que eu achava que gostava ou que podia gostar acabava enjoando.. batata doce, inhame, caldo de feijão, arroz... qualquer batata..... eu queria comer qualquer fruta e coisas verdes... e chocolate... brincadeira, o chocolate eu comia, mas em pouquíssima quantidade, porque é gordura e eu não digiro gorduras... elas descem direto... Uma coisa eu sei... que não quero mais ver inhame na minha frente... nunca mais....

domingo, 17 de julho de 2016

2015 - Parte II - Desorientada

Em junho comecei a quimioterapia. Meu médico não me deu orientação nenhuma, só disse que aquele cabelo cheio que eu tinha ia cair todo. Mas aí eu já estava zen novamente. A nova médica já tinha me aceitado como paciente e já havia me orientado sobre como fazer a transição de clínica.

A única orientação que eu tive, meio mal dada por sinal, foi da enfermeira no primeiro dia. Só lembro que ela disse que eu não podia ter febre acima de 37,8 de jeito nenhum, que se isso acontecesse eu tinha que falar com meu médico urgente. Daí eu falei, “mas se eu não conseguir falar com ele?”, e ela, “vai conseguir sim, de qualquer maneira, não tem outro jeito”. Daí eu pensei, me fodi, porque o arrogante imaturo com síndrome do pau pequeno do corno do médico só atende quando quer, ou melhor, quando acha que é importante, pra ele. E olha que ele não era médico de plano não, era pago, e bem pago. Nesse meio tempo que eu ainda não havia trocado de médico cheguei a ter umas febrezinhas, desmaiei umas vezes, passei mal, mas ele não atendeu aos telefonemas e eu estava calma. As febres não passaram de 37,8.


2015 - Parte I - O pior Diagnóstico

Entre outubro de 2014 e abril de 2015 fiz várias tomografias, PET-scan e ressonâncias. O PET-scan não deu nada e nas imagens a massa tumoral não crescia significativamente. Até que num exame de abril de 2015 apareceram nódulos no fígado. Só aí eu realizei que estava doente.

Fiz a biópsia do fígado e deu  adenocarcinoma. Eu entendi que no meu caso, ainda meio jovem, eu aguentaria uma quimioterapia fortíssima que existe para câncer de pâncreas com metástase – Folfirinox o nome.

Coloquei o cateter e começou a novela com o plano de saúde e a quimioterapia.
Como todo paciente com câncer deve ficar antes de o tratamento começar, fiquei ansiosa. Por poucos dias, mas esses dias foram horríveis para mim. Aí, quando você mais precisa do apoio do seu médico pra te dar uma notícia sobre a aprovação do tratamento pelo plano de saúde, nem que seja, “não tenho resposta, vamos aguardar mais 3 dias”, ele simplesmente não atende mais aos seus telefonemas e não responde às mensagens. Foi quando tomei uma decisão, trocar de médico. Quase enlouqueci minha mãe, não sei direito o motivo, mas às vezes essas coisas são irracionais mesmo. Mas eu estava decidida, ia começar o tratamento com ele e, logo que pudesse, mudaria de médico. Foi então que conheci minha médica, por indicação de um amigo, que trata de mim até hoje. Gosto muito dela.

Como todos os outros médicos que consultei nessa época, ela também achou que meu câncer não estava muito agressivo, para um adenocarcinoma. Cheguei a fazer mais um exame que detecta tumor neuroendócrino, mas deu negativo. Ela ainda achou que fosse um falso negativo.


O plano de saúde não dava uma resposta, nem positiva nem negativa. Tudo bem que eles têm 21 dias para responder, mas não precisavam abusar desse prazo se eles já sabem a resposta. Eu tinha decidido até entrar na justiça por abuso de direito do plano, mas até pra isso eu precisava do médico e o FDP tinha sumido. O plano dizia que o tratamento estava autorizado, mas um dos remédios da quimioterapia não era liberado pela Anvisa. Foi quando eu liguei para a ANS para saber se o plano podia recusar um dos remédios da quimioterapia e eles disseram que não, que eles autorizam o tratamento e que todos os tratamentos de câncer devem ser aprovados pelo Plano de Saúde. Não existe isso de autorizar tratamento e não pagar um dos remédios. Os planos jogam verde para ver se a pessoa desiste. Nesses momentos a pessoa está desesperada e resolve até pagar por tratamentos caríssimos. Dei o nome do Plano para a ANS e eles disseram que fariam uma advertência. No mesmo dia o fantasma do meu médico me ligou, dizendo que tudo estava resolvido, por mérito dele. 

2014 - Parte II - A 2a opção - O bypass

Logo que cheguei de viagem fui fazer a ultrassonografia. E ela estava lá, a massa tumoral ou qualquer coisa do gênero. Liguei para o meu clínico geral na época, que é oncologista, e ele mandou que me internasse. Fiz vários exames, inclusive uma biópsia, que deu negativa. Depois eu aprendi que é comum dar negativo no caso do pâncreas, mesmo se for positivo. Tudo indicava que eu estava com o tumor na cabeça do pâncreas. Muitos amigos foram me visitar no hospital, uns até eu não encontrava há anos. A situação era bem grave, mas eu nem tinha noção disso tudo, porque a coceira não deixava.
O oncologista indicou um cirurgião geral especializado em bariátrica. Ele chegou a perguntar se minha mãe conhecia algum cirurgião, mas lógico, não conhecíamos. Eu nem soube disso. Na época achei que aquele cirurgião fosse oncologista e especializado em pâncreas.
Minhas amigas mais próximas estavam lá todos os dias. Elas andavam atrás do oncologista fazendo perguntas:
_ Dr., mas o tumor pode ser benigno, né?
E ele: _ não. Não existe tumor benigno. Tumor benigno não é tumor, é outra coisa.
_ Dr., como será a cirurgia? Quais as chances? Dá pra tirar o tumor né?
_ Bom, tem três possibilidades... no melhor cenário, o tumor pode ser retirado. A outra hipótese é que não dê pra retirar. Daí o cirurgião faz um bypass pra desobstruir a cabeça do pâncreas e tirar os sintomas da icterícia. Mas a gente pode também abrir a barriga, ver que não dá pra fazer nada mesmo e fechar...
_ (cri, cri, cri...)

Eu até ouvi isso tudo, mas estava em outro planeta... eu preferia até morrer, se fosse a única maneira de parar a coceira.

Foi feita a cirurgia, não deu pra tirar, mas deu pra fazer o bypass. Quando fui fazer o acompanhamento no consultório do cirurgião descobri que a família inteira é especializada em bariátrica... ainda no hospital resolvi cortar aquele cabelo todo e doar. Minha mãe chamou a cabeleireira e ela foi até lá.

Minha memória está bem ruim, principalmente com relação à ordem dos eventos, mas acho que foi nessa primeira cirurgia, quando ainda estava no hospital, eu estava tomando dois antidepressivos na época – teve uma época que passou pra três, mas acho que isso foi depois – anyway, eu pedi pra tomar os antidepressivos no hospital e esse mesmo médico me perguntou, “precisa disso tudo?”. Eu fiquei sem resposta na hora, mas hoje minha vontade era de ter dito, “é porque não é com você, né cara pálida?”. Como que um ser humano, que decidiu ser médico, não qualquer médico, mas oncologista, não consegue ter o mínimo de compaixão com um paciente e ainda faz piadinha fora de hora?

Voltei pra casa e nada de parar a coceira... fiquei mais um mês sem dormir. Pelo jeito eu estava bem intoxicada de bile.


Veio o resultado da biópsia da cirurgia.... negativa... era setembro ou outubro de 2014... o oncologista continuou acompanhando, porque tem chances de acontecer o falso negativo nesse caso. Eu não tinha mais sintomas, geralmente as pessoas têm muitas dores e enjoos no caso do câncer de pâncreas. Os médicos chegaram a cogitar que fosse uma pancreatite autoimune. 

2014 - Parte I - Quando tudo Começou

Foi quando tudo começou. Foi o ano da Copa das Copas, da viagem pra Manaus, da vacina de febre amarela, da viagem pro Havaí... e da primeira cirurgia.

Na viagem para Porto Velho e Manaus talvez eu estivesse sentindo os primeiros sintomas. Isso foi no final de junho ou início de julho de 2014. Eu sentia dores de barriga, tinha piriri, não conseguia beber nem um copo de cerveja que passava mal, mas nada de muito estranho. Depois veio a Copa. Tentei beber cerveja de novo, não consegui – eu gosto de cerveja. Acabou a Copa. 7 X 1. Conheci vários gringos, inclusive vários alemães, que adoraram o Brasil, lógico.


Umas duas semanas antes da viagem para o Havaí eu comecei a ter dores no abdômen, que iam até as costas. Fiquei com uma coceira insuportável, minhas fezes estavam brancas e a urina escura. Fui num médico de plano de saúde que nem lembro o nome. Só recordo que ele me disse pra procurar um dermatologista por causa da coceira, que não era a área dele. A dor talvez fosse gastrite por causa de muito remédio que eu estava tomando. Eu tinha tido sinusite um tempo antes e o médico tinha me dado várias coisas pra tomar, além de antibiótico. A coceira só piorava e fui numa gastro. Ela achou que pudesse ser hepatite medicamentosa por causa dos sintomas. Ela me falou pra não comer gorduras e me mandou fazer exames de sangue e uma ultra, que eu não cheguei a fazer, porque viajei. Nessa época eu não estava ictérica ainda. No meio da viagem, no aeroporto em Dallas, eu me olhei no espelho e meus olhos estavam amarelos fosforescentes. Não sei como não me pararam na imigração com aqueles olhos. Eles só me perguntaram, “o que você vai fazer lá?”. E eu, “férias”. Em compensação, minha amiga parou duas vezes. Na hora do passaporte ficou uma meia hora lá conversando com o cara. Em que língua não sei, porque ela mal fala em inglês. Vai ver era porque o passaporte dela tinha carimbo da Malásia, Camboja... sei lá... depois na hora das malas pararam ela por mais uma hora. Abriram mala, vasculharam tudo... e eu esperando a pseudo-traficante-muambeira esse tempo todo morrendo de coceira. Resumindo, a viagem foi muito boa, mas fiquei sem dormir por muito tempo, por causa da coceira. Numa dessas noites eu consultei o resultado do exame de sangue na internet. As enzimas do pâncreas e fígado estavam todas alteradas. Depois eu fui saber que as do fígado não estavam alteradas o suficiente pra uma hepatite. Como eu não dormia mesmo, comecei a buscar na internet sobre meus sintomas. Coceira insuportável, icterícia, fezes brancas, urina escura... Minhas dores no abdômen tinham passado. Daí encontrei, “tumor na cabeça do pâncreas”. A coceira era tanta que eu nem estava acreditando tanto nessa possibilidade. 

About it...

Eu não estava a fim de escrever nada sobre o câncer, até porque pensei que fosse ser tudo mais rápido. Que a morte fosse rápida ou que eu me livraria rápido do tratamento. Mas, desafiando todas as expectativas, o processo tem sido lento. Já tem dois anos. Agora que minha oncologista disse que não tem prazo pra terminar a quimioterapia eu mudei de ideia e resolvi escrever. É como se a doença tivesse entrado na minha rotina. Uma parte terá que ser em flash back. Na verdade, terei que misturar o flash back com o momento atual, porque logicamente não me lembrarei de tudo em ordem cronológica, uma vez que o excesso de quimioterapia e medicamentos afeta o cérebro.