domingo, 23 de outubro de 2016

Assim Caminha (e se prolifera) a Humanidade

Sabem uma coisa boa da doença? É você poder dizer o que quiser e ninguém te contrariar, afinal, você está com uma doença grave. Obs.: mesmo assim já me contrariaram muito, para vocês verem como tem gente ruim neste mundo, hahaha.

Deve ser que nem quando você fica idoso e pode cometer infrações no trânsito. Tem o atenuante de a pessoa ser idosa e não estar no completo domínio das suas faculdades mentais. Ou ainda, que nem aquela velhinha que atravessa a rua calmamente e dá guarda-chuvada com toda força no farol do carro que para em cima da faixa e atrapalha a sua passagem. 

Mas, voltando ao assunto, além de ninguém te contrariar, parece que há um perdão generalizado por você não ter seguido os ritos normais estabelecidos pela nossa sociedade. Eu não casei nem tive filhos, o que dava margem a várias conjecturas a respeito da minha vida, se eu era louca, se era lésbica, se era louca e lésbica, que tipo de sapatona eu era, se era do tipo machona ou do tipo mulherzinha, se era só extremamente carente e solteirona, se tinha algum outro problema grave, se era hermafrodita... A nossa sociedade não aceita que você simplesmente não queira dividir seu espaço com mais ninguém, ou que você não queira cuidar de um homem, nem de uma mulher e muito menos de uma criança. Eu sofri a vida inteira por isso. Eu preferia poder dizer que era divorciada, mas nem isso eu podia. De repente tudo isso desapareceu, não me sentia mais estranha. Eu entrei num emprego novo e todos eram "estranhos", que nem eu. Lá ninguém nunca me perguntou por que eu não casara tivera filhos, apesar de haver milhares de casados e com filhos. Mas isso não importava a ninguém. É claro que a preocupação sobre quem você já comeu no trabalho continua, só não interessa mais o fato de ser casado ou não.

E agora com mais a doença o que parece é que estou perdoada por não ter casado e não ter tido filhos. Porque agora eu não sou mais a lésbica, ou a carente de homens, como se um homem em casa fosse a oitava maravilha do mundo, mas agora eu tenho um câncer. O que é mais importante do que tudo. Ou seja, você nunca é só você, você é o que você adquiriu nessa vida, seja sua aquisição um carro, um marido, um filho ou um câncer.

Hoje eu tenho pena das pessoas que possuem cérebros que funcionam somente em termos de aquisições, porque elas vivem em função de coisas, de maridos, de esposas, de imagens, de fotos e likes no Instagram, de fotos de comida, de fotos de viagens, que não aproveitaram, porque estavam tirando fotos, de fotos com namorados, que dão pé na bunda no dia seguinte.

Pois é, eu achava até que essas coisas não existissem, tamanho desespero na aquisição de crianças, mas fui saber que uma amiga minha está realmente desesperada para ter um filho. E isso a leva a situações mais loucas, que eu achava que existissem somente no cinema, tipo:


O cara: oi, você vem sempre aqui?
Ela: depende, qual é o seu grau de interesse na proliferarão da raça humana?

A pessoa está saindo com um cara há um mês e fica falando que quer uma criança. Se um cara falasse isso para mim eu sairia correndo. Aliás, não precisa de muito para eu sair correndo.

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